Aprendendo a contar os próprios passos no escuro

Das inúmeras maneiras de encarar a realidade, Malorie mostra a mais simples e complicada de todas: sobreviver. “Caixa de Pássaros”, de Josh Malerman, é um ensaio sobre um apocalipse pouco pensado nas distopias já lançadas pelo mundo. Afinal, a qualquer momento as pessoas podem começar a enlouquecer e se matar ou matarem umas às outras até o mundo parecer um grande deserto em putrefação.

Durante a leitura, o sentimento de que isso pode mesmo acontecer é forte. É a sensação que os thrillers e distopias causam, afinal. Acompanhar a história de Malorie e suas crianças, passando pelos sobreviventes da casa de George, todo o terror psicológico de estar sendo vigiado por seres que sequer conhece e viajar quilômetros em um barco a remo por um rio cheio de surpresas.

Não é possível deixar uma história tão tensa e arrepiante de lado. Muitas vezes até se esquece de que os personagens estão vendados ou de olhos fechados. Mas todas as ações – desde ir ao poço do lado de fora a procurar mantimentos nas casas vazias da vizinhança – se tornam mais complicadas para os personagens por eles não saberem o que podem encontrar lá fora. Ou o que pode encontrá-los.

Você sobreviveria de olhos fechados?

Na ordem dos acontecimentos, a história traz, antes de tudo, Malorie se preparando para sair de uma casa com duas crianças de mais ou menos quatro anos. Ela as criou sozinha, mas, antes de dar a luz, ela vivia com mais seis pessoas – e uma delas também estava grávida.

Alternando os capítulos, Josh Malerman elabora uma trama em que as histórias cruzadas dos sobreviventes caminham sobre um novo e incerto mundo, onde têm que vendar os olhos para não sucumbirem à loucura proporcionada por criaturas que ainda não conhecem.

A influência dessas pessoas na vida de Malorie só não é uma incógnita porque o autor fez seu papel: contou a trajetória de cada um deles na casa que serviu de abrigo – e os momentos fora dela. Como Malorie fica sozinha com dois bebês? Essa pergunta passeia pela mente do leitor durante todo o livro. Mas você não terá spoilers aqui.

A tensão de ser mãe

Fugir do esconderijo, treinar os ouvidos de duas crianças, traçar uma rota até um barco amarrado à beira de um rio, manter uma mochila no armário da cozinha com alimentos sempre sendo reabastecida… A protagonista tem a promessa de um lugar seguro e precisa chegar nele às cegas, com os filhos a bordo e nada além de remos para se defender.

As partes de Malorie enfrentando tanta coisa até chegar nesse “lugar seguro” pelo rio, usando os ouvidos das crianças como guias, são as mais tensas. Existe uma tensão muito grande envolvendo toda essa coisa com as vendas. Logo, saber que aquelas três pessoas estavam de olhos bem cobertos no barco não ajuda muito a acalmar o coração preocupado de um leitor.

Mas a mãe aguenta firme. Até porque, ela aguentou por anos. O instinto maternal faz milagres e todos sabem disso.

Detalhes, teorias e impressões

Quanto mais eu lembro de todos os detalhes de Caixa de Pássaros, mais compreendo a metáfora para a depressão, teoria muito levantada e defendida com o hype em cima do filme. É possível sim que os personagens tenham certos impulsos de cometer suicídios por um agravamento repentino da doença, mas o próprio autor levanta a falta de conhecimento das tão temidas criaturas.

Porque os personagens não sabem o que são, não conhecem sua natureza. Há momentos em que se questiona se elas realmente sabem o poder que têm: o de enlouquecer as pessoas em um nível fatal. E isso se defende exatamente quando os ditos “loucos” entram no caminho da história. Quando o homem no barco que intercepta Malorie e as crianças no rio diz para ela tirar as vendas porque não há o que temer. Quando eles ouvem os relatos de gente que não é afetada pela “crise” que se formou no mundo.

Malerman se prova um gênio na criação de uma distopia de terror tão enigmática e reflexiva, além de uma figura a se acompanhar as próximas obras, o que vai muito além do longa inspirado nesta feito pela Netflix – do qual falarei em breve. Não se subestima uma mente que, de início, brilha. O que os trabalhos de Malerman ainda têm a oferecer?

Livro: Caixa de Pássaros

Autor: Josh Malerman

Páginas: 272

Editora: Intrínseca

Ano: 2015

Sinopse: Romance de estreia de Josh Malerman, Caixa de pássaros é um thriller psicológico tenso e aterrorizante, que explora a essência do medo. Uma história que vai deixar o leitor completamente sem fôlego mesmo depois de terminar de ler. 
Basta uma olhadela para desencadear um impulso violento e incontrolável que acabará em suicídio. Ninguém é imune e ninguém sabe o que provoca essa reação nas pessoas. Cinco anos depois do surto ter começado, restaram poucos sobreviventes, entre eles Malorie e dois filhos pequenos. Ela sonha em fugir para um local onde a família possa ficar em segurança, mas a viagem que tem pela frente é assustadora: uma decisão errada e eles morrerão.

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